“Há alguns dias, o amigo Lasier do blog me pediu para escrever um pouco sobre minha “aventura” como piloto de balão na África, mais precisamente no Quênia. Claro que vou tentar passar minhas impressões aqui, mas acho que posso aproveitar a oportunidade para orientar ou quem sabe até inspirar outros pilotos que tem a mesma paixão, ou seja, voar de balão.
Como muitos não me conhecem, ou talvez somente ouviram falar de mim, vou resumir minha historia desde o meu começo.
Vi um balão pela primeira vez em 1991 em Piracicaba SP. Daquele momento em diante me vi fisgado. Como muitos de minha época devem lembrar o balonismo era muito “fechado” e para fazer parte desse universo existiam 2 principais opções:
1 – Ter muito dinheiro, já que boa parte ou quase tudo era feito fora do Brasil, com valores altíssimos (não me encaixava nesse quadro);
2 – Contar com a sorte (seria sorte?) e a vontade de ralar durante anos “fazendo equipe” para algum piloto que necessitasse. Esse foi meu caminho e de muitos outros, e, falando sinceramente, era muito bom! Claro que os pilotos da época (não vou citar nomes) eram em sua maioria estrelinhas de primeira grandeza… hummm agora me pergunto… será que mudou?
Nesse 1991 em Piracicaba estava acontecendo um campeonato brasileiro, com toda pompa e circunstância que a ocasião pedia… claro que o acesso ao “Parque da Rua do Porto” era controladíssimo; somente quem tinha uma credencial adentrava ao recinto. Não conformado em ser barrado naquele mundo mágico, resolvi fazer uma credencial para mim. Pois é, funcionou e num domingo frio às 6h da manhã eu fui o primeiro a chegar no parque, com minha credencial e uma câmera fotográfica com um filme de 24 poses (vocês sabem o que é isso?)
Depois de tentar um “approach” em algumas equipes e ser literalmente ignorado (atenção pilotos da antiga: lembro de todos vocês!) tive então a verdadeira sorte de conhecer o cara mais gente fina que existia no balonismo, o boa praça, divertido, alto astral, Sr. Walterson Leite Lima… in memoriam… (procurem saber mais dele, ele merece). Na ocasião ele estava ensinando um candidato a piloto de nome Axel, que na verdade foi o “piloto que precisava de equipe” e foi aí que me encaixei na engrenagem.
Minha tão sonhada licença saiu em 05/07/95 (observem o tempo que levou, de 91 a 95 fazendo equipe) e a partir daí já podia vivenciar minha arrebatadora paixão, que depois virou meio de vida e que durante esses anos todos me fez “quebrar” algumas vezes…. Mas nem nos piores momentos passou pela minha cabeça desistir de ser piloto de balão.
Como tudo na vida, a carreira de “balonista” também segue seus degraus, e eu sempre quis, dentro das minhas possibilidades, subir cada um deles. No começo só voar era ótimo, depois encontrar os amigos nos eventos era fantástico, mas eu sentia que podia mais… queria competir e “me colocar a prova” também. Aí foram anos fantásticos, competindo, competindo, chegando perto, cada vez mais perto até que um dia… aconteceu! Campeão brasileiro, sul brasileiro, campeão do Festival de Torres, ganhar a tão sonhada “prova da Chave” de Torres, representar o Brasil num mundial, que demais! Me sentia no topo!
Mas aí comecei a observar o balonismo em outros países e pensar… por que não? Conhecer Albuquerque nos EUA (a Meca do balonismo mundial), ter meu próprio special shape, viajar pelo mundo com alguém pagando as despesas! Fazer negócios… que demais! Tudo isso eu vivenciei, com ajuda de alguns parceiros é claro (dentre eles o talentoso Caco Marques in memoriam). Viagens incríveis para países incríveis: Russia, Nova Zelândia, Austrália, Canadá, México, Áustria, França, Alemanha, Portugal, Espanha, Colômbia… quantas histórias! Muitas delas divididas com amigos que provavelmente estão lendo este texto. Fui o primeiro piloto brasileiro em alguns desses países, abrindo portas para que outros pilotos depois fizessem o mesmo, e com certeza me orgulho disso.
Mas conhecendo também as realidades distintas de cada país, deparei-me com uma categoria de pilotos que se destacavam entre os outros… Aqueles pilotos que eram “comerciais” e tinham em suas mãos os maiores balões que existiam, carregando impressionantes 12, 16, 20 até 30 passageiros! Pilotos que por causa de suas habilidades, eram (e ainda são) requisitados para voar mundo afora, proporcionando passeios turísticos a milhares de pessoas.
A partir daí, me comprometi a fazer meu curso de piloto comercial e instrutor nos EUA, país este que tem excelente reputação na formação de pilotos e, por conta disso, o detentor da licença comercial americana tem maiores possibilidades de conseguir boas posições de emprego em todos os continentes, onde a atividade comercial com balões é regida por normas muito claras e rígidas.
Em outubro de 2015 iniciei meu curso na Airbourne Heat – Pilot Training School, na cidade de Albuquerque com uma das mais conhecidas e respeitadas instrutoras do mundo: Ms. Elizabeth Wright-Smith, tendo finalmente feito meu voo de checagem comercial em fevereiro desse ano (2016). Notem que quando iniciei minha formação comercial, já contava com aproximadamente 1.800 horas de voo anotadas, eu já tinha minha licença privada americana (emitida com base na minha licença ANAC) e confesso que mesmo me sentindo confiante, foi um desafio e um grande aprendizado para mim.
A partir daí, com experiência de voo em diversos tipos de balão, uma boa formação, e o aval de minha instrutora, iniciei a minha distribuição de currículos mundo afora… Alguns responderam, outros não, alguns com certeza nem olharam, pois o balonismo brasileiro não contava até agora com nenhum piloto de balão comercial voando profissionalmente fora do Brasil, quer dizer… mais um desafio a ser superado.
Após alguns contatos de algumas empresas (talvez mais curiosas do que interessadas) aceitei o convite da empresa Skyship Co., uma operadora de balões localizada no famoso Parque Nacional Masai Mara, no Quênia – África, que opera balões à 10 anos nessa área incrivelmente preservada do planeta, onde vemos todos os dias os animais que no Brasil só vemos através de grades no zoológico.
Acertei meus detalhes de contrato com os donos da empresa e em 10 dias estava embarcando para o desconhecido Quênia. A chegada em Nairóbi foi tarde da noite, e após uma entrevista com o agente da imigração obtive meu visto de trabalho que a empresa já havia solicitado antes da minha saída do Brasil.
Mesmo possuindo a habilitação para piloto comercial americana, fiquei na capital Nairóbi para fazer todos os procedimentos necessários para obtenção do “brevê” queniano. Tudo muito parecido com outros lugares do mundo… Iniciei com o exame médico obrigatório de 1ª classe, que demorou 2 dias no total. Após aprovado, fui até a “East African School of Aviation” também em Nairóbi, que é onde pilotos de vários países africanos fazem seus cursos práticos e teóricos em diversas modalidades. No meu caso necessitava apenas da realização de um teste teórico onde o aplicante necessita ter um resultado acima de 75%. Como tive poucos dias para me preparar fiz suficientes 88% e me dei por satisfeito.
Após juntar todos os documentos fui ate a KCAA (a ANAC do Quênia) para solicitar a emissão de meu brevê comercial queniano, o que só foi possível depois de uma semana e a realização de um “voo check” com um instrutor local. Após uma série de carimbos, fui liberado para voar e “viver o sonho”.
É claro que vivenciar meu sonho tem um preço, a distância da família e dos filhos principalmente. Viver numa área isolada requer algumas habilidades, que nada tem a ver com o saber pilotar balão. Isolamento, lidar com a vida selvagem (aqui você vem como piloto, mas se não souber se cuidar poderá virar o “prato do dia”). Acho que minha principal qualidade nesse aspecto é que sou uma pessoa extremamente focada. Já soube de pilotos que vieram para cá e não suportaram viver isolados alguns meses aqui.
Mas vamos ao que interessa… voar de balão na savana africana! Minha primeira impressão ao chegar aqui foi “meu Deus”, tô no meio do nada… a única forma de chegar aqui é vir de Nairóbi (capital) num aviãozinho “caravan” monomotor carregado até o teto, como naqueles filmes da sessão da tarde de antigamente… nunca vi um avião “comer” tanta pista (lembrando que conheço razoavelmente os caravans que operam no CNP em Boituva). Só depois que eu e mais 9 vítimas (todas alegres) nos demos conta que a coisa tava séria. A primeira aterrizagem foi numa pistinha de terra, cheia de animais em volta, sem nenhum cercamento! Foi outra aula de pilotagem… desceram 4 pessoas (ufa!!!) e as respectivas malas (ainda melhor).
Desci na segunda pista chamada de “KICHWA TEMBO” traduzindo cabeça de elefante. Após minha chegada, fui logo apresentado aos funcionários do acampamento e já fui logo escalado para voar no dia seguinte… Perguntei qual o balão? Me disseram: 5Y-SMV, e eu perguntei: o que é isso? O prefixo disseram. Mas que tamanho tem isso? ahhh 400.000 cu ft (11.325m3) me disseram. But don`t worry the boss will fly with you… ou seja, cheguei hoje, amanhã já voo com o chefe num balão enorme e sem conhecer a área, um bom começo.
Nem dormi direito, preparei meus materiais e 5:20h da manha me apresentei junto ao balão que já estava posicionado no solo pela equipe. Minha primeira impressão foi o profissionalismo extremo de todos.
Após uma checagem de cesto, maçarico, tanques, mosquetões, ancoragem, iniciamos a inflagem do balão com 2 super ventiladores elétricos! Nunca tinha visto isso. Mas usam este tipo de ventilador para minimizar o impacto sonoro junto a vida selvagem, ou simplificando, para não assustar os animas, que são a razão de tudo isso existir.
O equipamento no caso era um Lindstrand LBL 400 a que como a exemplo dos outros de propriedade da empresa foram desenvolvidos especialmente para voar nas condições locais que tem por característica principal os ventos fortes. Entramos para dentro do envelope (100% hyperlast) com sistema de desinflagem rápida onde ¾ to teto se abrem num sistema de “rip pannel”. Depois de um tempo posso afirmar que este recurso é fundamental para quem quer operar balões turísticos em áreas de vento forte, pois sem ele a operação somente com paraquedas ou “smart vent” são insuficientes e por consequência perigosos. Todas as empresas que atuam nessa área tem balões que o teto se abre desta maneira.
O cesto e o balão pesam incríveis 625kg por ser de construção muito mais robusta, contando com estrutura de inox reforçada, cantos reforçados e inclusive contando com “esquis” na lateral do cesto feitos em aço para ajudar a deslizar na savana. Outro detalhe importante: apesar do balão ser um 400, o cesto comporta no máximo 20 pessoas. Isto porque o cesto conta com assento e laterais acolchoadas, ou seja, os passageiros decolam e pousam sentados com as costas na direção do vento. Isto torna o pouso muito mais seguro, ninguém é lançado para fora do cesto ou se choca com os outros passageiros. Resumindo: perde-se em capacidade de carga, mas ganha-se muito em segurança.
Por conta disso a temperatura interna do balão, num dia normal com temperatura entre 15 e 17 graus, fica em torno de 60 a 80 graus, muito abaixo dos limites máximos especificados pelo fabricante e muito abaixo da temperatura em que voamos no Brasil com nossos balões. Como resultado os envelopes tem uma vida util de mais de 1000 horas de voo, podendo chegar a 1500 horas (bom né?).
Terminada a inspeção interna do envelope, travas, velcros, cordas de comando, deflatoras, tap, parti para minha primeira inflagem no Masai Mara. Para minha concepção um pouco ventoso e instável (18 km/h) mas para os padrões locais um dia absolutamente normal. Em função das rajadas de vento, fizemos um briefing com os passageiros e já os colocamos dentro do cesto, antes da inflagem do balão (pré load). Isso facilita a operação, pois os passageiros já se encontram em sua posição de “astronauta” antes de iniciarmos a inflagem com maçarico. Por falar nosso, o maçarico conta com 4 bocas independentes, com “cross flow” de 2 em 2 bocas… realmente o que há de melhor no balonismo mundial.
Todos prontos, passageiros a bordo, começo a inflar o gigante… 40 kg de gás somente para ele ficar em pé… devido ao peso dos passageiros e do cesto o balão comporta-se incrivelmente estável diante das condições do vento.
Aqui não usamos os famosos “quick releases” que nessas condições podem não aguentar a tração exercida pelo balão e até travar na hora da decolagem ou por fim “chicotear” em alguém. O sistema aqui é uma ancoragem dupla com 02 cordas com capacidade para 6 toneladas cada, onde dois funcionários soltam simultaneamente ao sinal do piloto. Muito simples, prático e seguro. Por falar em ancoragem, o balão fica ancorado num caminhão da década de 60 que pertencia ao exercito inglês, com o motorista segurando também no freio, pois não é incomum os gigantes arrastarem os caminhões, mesmo com os passageiros já a bordo. Nessa hora é que separamos os ‘homens dos piáa” como se diz ai no sul tchê.
Tudo pronto, balão em pé, passageiros sentados e seguros, faço sinal para liberarem o balão. Decolo suave, e vou ganhando um pouco de velocidade, mas logo ao passar pela cerca vejo os hipopótamos voltando para o rio após uma noite de pastagem. Muito legal. Duzentos metros adiante um grupo de girafas olhando pra cima, logo depois búfalos, hienas, gazelas, impalas, zebras, elefantes… uau! Agora entendo porque o Masai Mara é um dos destinos turísticos mais procurados do mundo, para quem quer ver a vida selvagem. O lugar é lindo. Mas voltemos ao voo.
Como estamos na savana africana, não existem obstáculos como cercas, linhas de eletricidade de qualquer tipo, e nenhum outro obstáculo feito pelo homem. Só a savana e alguns bosques e pequenas florestas onde os grandes animais se escondem. Então como o objetivo aqui é principalmente observar a vida selvagem, voamos baixo, o que de certa forma facilita a operação. Apesar dos ventos chegarem a 30, 40 km/h na hora do pouso, nos sentimos muito confiantes pela qualidade do equipamento em si, assim como pelo relevo do local onde podemos “arrastar” o balão o quanto for necessário. E apesar de as vezes acertarmos um cupinzeiro na hora do pouso, os passageiros estão bem protegidos. O piloto também pois aqui o uso de cinto de segurança pelos pilotos e obrigatório, e muito necessário, diga-se.
Após alguns minutos já dominava “meu” novo balão, a velocidade média foi de 20 km/h durante todo o voo e voamos em direção a fronteira com a Tanzânia onde fica o famoso Serengueti. Após algumas “giradas” no balão para os passageiros terem ângulos diferentes, e obviamente algumas subidas a 2000 ft agl, para que todos tivessem uma vista geral da reserva, iniciei o processo de aterrizagem com muita tranquilidade, tocando o solo exatos 60 minutos depois da decolagem e com o cesto arrastando “só um pouquinho” (uns 30 metros).
Todos a salvo, balão totalmente desinflado, iniciamos o desembarque de todos e foi assim o meu “batismo” no Mara. Não vou falar que tanto o “chefe” que também é piloto como toda a equipe elogiaram minha pilotagem, risos.
Depois desse primeiro voo, fui conhecendo melhor a área, os locais para aterrizagem, os segredinhos que todo o lugar tem e todo piloto precisa conhecer para voar com segurança.
Muitas vezes após uma decolagem com vento forte, temos um voo bastante suave, com os ventos de superfície nos sugando para a calha do Rio Mara, onde sempre temos dezenas de hipos, e muitos animais em volta.
Hoje já se passaram 50 dias desde a minha chegada aqui, e já fiz impressionantes 37 voos e cada um com uma característica diferente, com passageiros do mundo todo, onde sempre brinco com eles: “welcome to my office”, e assim será por mais alguns meses… “assanti”(obrigado).
Sempre que posso posto fotos e vídeos no instagram (Edustrategie) e no FB (eduardobalonismo) se quiserem acompanhar, sintam-se convidados.”
Confira abaixo uma galeria de fotos enviadas especialmente ao Blog pelo Edu.